Views of the installation. Galeria Graça Fonseca, Lisboa, 1995

"A primeira visão, dominando a sala maior da galeria, é o vermelho da parede frontal com a inscrição em letras brancas – ‘Et in Arcadia ego’.
      Nas paredes laterais, fotos a preto-e-branco de paisagens rurais (114x170cm). A aproximação é, assim, claramente estética e gráfica, de um gosto disciplinado e cultivado pela visão artística. Perante um segundo olhar, este aparente prazer plástico é inesperada­mente perturbado pela própria legenda, na qual se lê: ‘1915-16 – Império Otomano: genocídio arménio organizado pelos jovens turcos.’ Olha-se de novo a parede, e o seu vermelhão é já mais do que simples cor – é sangue e poder. Cada paisagem, apercebemo-nos então, é percorrida pela desertificação, por uma desolação quieta e surda, apesar dos vestígios humanos que ainda encerra. As cinco paisagens são fotografias do Alentejo, acompanhadas de uma legenda ou título que, à semelhança da primeira, informam sobre um dos genocídios praticados neste século. Na segunda sala encontram-se 24 fotografias de árvores isoladas na pai­sagem. Os títulos remetem igualmente para diversos massacres de raças ou etnias perpetrados no (nosso) século XX.
        'Eis-me no paraíso', poderia dizer a inscrição da galeria. Que paraíso atópico é este? Que contradição se encerra nestas secas paisagens alentejanas, que enigma iconológico convocam elas? [...]
        Do ponto de vista do seu conteúdo ou da sua estratégia conceptual, este trabalho não é inusitado na carreira artística de Valente Alves. Recorde-se, a propósito, a série Hotéis mostrada em 93 no CAM, na qual os nomes de célebres estâncias de turismo são acompanhados de imagens que deslocam o sentido de leitura, enunciando territórios desabitados ou de sonhos de paisagens atmosféricas.
        Num mundo em que as imagens de genocídios idênticos aos aqui nomeados são veiculadas todos os dias como espectáculo pelos media, a afirmação paradigmática da era contemporânea de que ‘uma imagem vale mais do que mil palavras’ é aqui claramente posta em causa; e a exposição assume assim uma dupla função: por um lado, alerta para o facto de o nosso século ter sido o século do ‘Estado criminal’ que segregou e praticou a morte colectiva de faixas inteiras da população em nome de princípios políticos, religiosos, éticos e raciais; por outro, questiona o regime das imagens e o seu uso na sociedade actual." 

Isabel Carlos, “O poder das imagens”, Jornal Expresso, Lisboa, 20 de Maio de 1995   

“The first vision, dominating the largest room of the gallery, is the red of the front wall with the inscription in white letters – Et in Arcadia ego.
        On the side walls, photos in black-and-white countryside (114x170 cm). The approach is thus clearly aesthetic and graphic, a disciplined and cultivated taste for the artistic vision. Given a second look, this apparent plastic pleasure is unexpectedly disturbed by the caption, where we can read: '1915-16 – Ottoman Empire: Armenian genocide organized by the Young Turks‘. We look again the wall, and its vermilion is already more than just color – It's blood and power. Each landscape, we realized then, is covered by desertification, by a quiet and dull desolation, despite the human vestiges that still there remains still. The five landscapes are photographs of Alentejo, accompanied by a caption or title, as the first each of them informs us on one of the genocides committed in this century. In the second room there are 24 photographs of isolated trees in the landscape. The titles also refer to several massacres perpetrated races or ethnicities in (our) twentieth century.
        ‘Here I am in paradise’, could mean the inscription on the gallery. What atopic paradise is this? What contradiction is closed in this dry Alentejo landscapes, what iconological enigma convoke them? [...]
        From the point of view of its content or its conceptual strategy, this work is not unusual in the artistic career of Valente Alves. We can remember, for example, Hotels series shown in the CAM [Calouste Gulbenkian Foundation] in 1993, where the names of famous tourist resorts are accompanied by images that move the direction of reading, enunciating uninhabited territories or dreams of atmospheric landscapes.
        In a world where images of similar genocides named here are daily served as a spectacle by the media, the paradigmatic statement of the contemporary era that ‘a picture is worth than a thousand words’ is here clearly put into question; and the exhibition thus assumes a dual role: on one hand, it alerts to the fact that our century has been the century of ‘criminal state’, which segregated and practiced collective death of entire sections of the population in the name of political, religious, ethical and racial principles; on the other hand, it questions the system of images and their use in today’s society.” 

Isabel Carlos, “The power of images”,  Jornal Expresso, Lisbon, May 20, 1995

Exhibition

1995 Et in Arcadia Ego, Galeria Graça Fonseca, Lisboa

Selected bibliography

Carlos VIDAL, A Morte Quotidiana
João Lima PINHARANDA, Terra Queimada...  
Isabel CARLOS, O poder das imagens
Manuel VALENTE ALVES, Et in arcadia ego