"Desde sempre que o trabalho plástico de Manuel Valente Alves se funda numa necessidade de alcançar um âmago – seja dos lugares, das geografias, das incertezas, da (in)coerência, da pertinência, do sujeito ou dos sujeitos, seja do que é, do que foi, do que poderia ter sido. E interroga-se. Sempre. E, ao interrogar-se, interpela-nos. Não é, porém, uma interrogação arbitrária. É um exercício que se vai sucessivamente redefinindo e reformulando, que suporta, que é como um fio condutor, um guia, que o coloca perante as coisas. A auscultação desse real transmuta-o em ‘coisas outras’ que, sendo outras, são as mesmas. A grande diferença reside exactamente na matriz desse olhar que, sem mais, nos retira o visto. É um olhar incisivo, perscrutador de pequenos planos ou de planos abertos, frontais ou perspécticos, mas que tende, quase sempre, a ordenar, a organizar a imagem, seja fotográfica, desenhada ou filmada, ou ainda a sobreposição de todas elas. O recorte e a procura da pureza desse olhar faz-se na aprendizagem da memória mais longínqua, naquilo que de mais residual nela existe.
Numa viagem em arco, Manuel Valente Alves questiona o início de uma poderosa construção mental associada à tradição e, neste caso, à mitologia da Antiguidade Clássica. Não o faz num sentido historicista, procurando antes munir-se de diferentes utensílios e argumentos de reflexão que lhe permitem uma abordagem de autor ao presente que vive, ao passado que permanece, ao futuro que se desconhece. Por isso, [...] nunca mima de modo neutro a realidade. Implica-se nela e dela se distancia depois sem nunca perder este poderoso referencial de memória. [...] Manuel Valente Alves, suspendendo o tempo presente, parando o movimento do céu ao captar uma nuvem ou os movimentos dos mortais no seu quotidiano, cria uma nova tecedura de tempos urdida de silêncios e mutismos. Imobiliza accionando possibilidades de reflexão e de questionamento do presente. É uma abordagem de rigor plástico em diálogo permanente com as indefinições em que a própria mitologia se move. É, em suma, uma possibilidade de caminho aberto para a mudança, para a descoberta, para o encantamento de sermos."
Ana Isabel Ribeiro, “Lugares de construção”, in catálogo da exposição Cadmo e Harmonia, Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, Almada, Setembro de 2007