"Hotel Europa é uma instalação vídeo realizada a partir de imagens captadas numa viagem de comboio entre Viena e Praga. Manuel Valente Alves trabalhou a velocidade das imagens, criando diferentes ritmos sob um pano de fundo de aceleração. Paisagens rurais e urbanas cruzam de modo descontínuo e acelerado o campo de visão. Os planos alternam entre aproximações e afastamentos, ora fixos, ora manuais, afastando-se o resultado de qualquer ideia de registo paisagístico documental. À sequência visual, junta-se uma componente sonora criada a partir da música de compositores europeus de algum modo identificados com aquelas regiões do centro da Europa.
Desde logo, a música estabelece um pólo de interioridade, uma velocidade individual que recebe o visto como uma veloz abstracção colorida. A relação entre imagem e som gera então algo que podíamos denominar como uma diferença de andamentos que, simultaneamente, demarca um campo colectivo e outro individual, ao mesmo tempo que distingue a ideia de uma Europa histórica, credora de nostalgia, um presente de desequilíbrios onde estão há muito inscritos sintomas de decadência. Valente Alves faz transitar essa memória colectiva para um embate individual e solitário.
Em última instância este é um exercício de reconhecimento e reinterpretação que toma a paisagem como ponto de partida para o encontro com uma realidade que não se pode assimilar pelo mero contacto visual. Enredada em impasses geo-estratégicos e tutelada pela superpotência que resta, a Europa é um lugar nostálgico de grandezas passadas. A embriaguez indiferenciada presente nas imagens parece fixar o estado de inconsciência colectiva que se apossa de impérios, regimes e civilizações no momento histórico exactamente anterior ao declínio. No filme La Haine de Mathie Kassovitz, uma anedota inicial estabelecia um programa para todo o filme, um homem caía de uma grande altura e enquanto caía repetia para si mesmo “até aqui tudo bem”. Hotel Europa constata de modo subjectivo esse estado de suspensão melancólica da consciência colectiva. O desconhecimento de si-próprio instalado em cada um que permite dizer: “Até aqui tudo bem, até aqui tudo bem”".
Celso Martins, “Quedas e declínios”, Jornal Expresso, Lisboa, 21 de Setembro de 1998