"Manuel Valente Alves apresenta seis trabalhos, seis caixas negras enquadrando o confronto entre uma imagem fotográfica retrabalhada e saturada de cor (azul) e um traçado geométrico - o conjunto tem por título Princípios da perspectiva linear. Desta vez, passamos do confronto entre imagem e não-imagem fotográfica (presentes em anteriores exposições, Hotéis e Cassandra) para o confronto entre o informe da fotografia, ou melhor, da imagem que regista o desfazer de uma vaga e o formalismo geométrico de cada traçado.
O informe está na fotografia e a forma está no traçado que foi particularmente escolhido: trata-se sempre de um esquema fundador da visão perspéctica e monocular que domina a pintura desde o Renascimento aos fins do séc. XIX, e que é, também, o princípio fundador das máquinas ópticas, que estiveram na raiz da descoberta da fotografia. Em cada caixa, em cada imagem dupla, cada componente, remete para o seu par, num jogo que se abre a infinitas simulações. Que coisas são estes objectos, estas caixas negras? Eles trazem a memória de duas disciplinas, fotografia e pintura; eles não querem ser nem uma coisa nem outra, constituindo-se num objecto híbrido, novo, que se institui como uma interrogação sobre si mesmo. Ruptura? Não o creio. Dúvida, sim.
Porém, encenada e construída como meticulosidade, com particular empenho na visualidade e acabamento de cada objecto bem como no efeito de conjunto. […]
Nos anos 90, a pintura e a fotografia concorrem [em Manuel Valente Alves] para a criação de objectos em que predomina o suporte fotográfico e, possivelmente, a presença pictural, objectos que são interrogações sobre a imagem, primeiro, sobre a não-imagem, depois. Agora, entre a forma e o informe, estas caixas aparecem-nos como objectos finais, tendo porém raízes, passado, tradições, e funcionando como uma dúvida em aberto quanto ao futuro. […]
Com Valente Alves podemos verificar como essa meditação sobre o fim e os limites é um assunto que nos aparece, neste final do século, como interminável, gerando mimetismos, dúvidas, interrogações, que cada geração sente a necessidade de reactualizar."
José Luís Porfírio, “Pintura: o fim interminável”, Jornal Expresso, Lisboa, 12 de Março de 1994