[Manuel Valente Alves, “Vitória de Samotrácia”, 1996]


SONHOS INQUIETANTES por Óscar Faria

Desde “Hotéis” (1992) que Valente Alves tem abordado o conceito de “paisagem”. O diálogo com a História tem sido outra das suas preocupações - Séries “Arte da Pintura” (1989) e ”Cassandra” (1992), estabelecendo-se aqui uma relação directa com a mitologia clássica. Na sua anterior exposição – “Et in Arcadia Ego” (1995, Galeria Graça Fonseca) - o artista estabelecia uma relação entre o paraíso perdido de Poussin e imagens de um Alentejo abandonado, devastado, acompanhadas por legendas que assinalavam genocídios e massacres perpetuados neste século.

A presente mostra pode ser entendida como continuação do trabalho sistemático de catalogação dos crimes contra a humanidade. Valente Alves parte de um exemplo paradigmático da escultura helenística – a “Vitória de Samotrácia” – para realizar uma reflexão quer sobre a colonização de África, quer sobre os não-lugares contemporâneos. O triunfo do Ocidente é apenas uma intensa ruína: conclusão a tirar da exibição de factos e da sua respectiva análise.

Nos diversos espaços do CAPC confrontam-se, em excelente montagem, quatro inquietantes fotografias a preto e branco de modernos cenários urbanos com outros tantos mapas, reportando a situação do continente africano em 1914 – a divisão territorial operada pelos europeus e as datas de independência dos diferentes estados. Na sala negra é mostrada uma melancólica imagem colorida com legenda: “If your subconscious knew of this place, all your dreams would happen here.” Inquietante, a oposição entre o luxo prometido e a realidade apresentada na instalação. Aqui, é impossível respirar.

[FARIA, Óscar, “Sonhos Inquietantes”, Jornal Público, Lisboa, 26 de Abril de 1996]