[Manuel Valente Alves, “Donde vimos? O que somos? Para onde vamos?”, 1996]

DONDE VIMOS? O QUE SOMOS? PARA ONDE VAMOS? por Manuel Valente Alves

Donde vimos? O que somos? Para onde vamos? é o título de uma das últimas pinturas de Paul Gauguin, data de 1897, seis anos antes da sua morte, numa altura em que, apesar de algumas vicissitudes na sua vida pessoal e familiar, encontra a plenitude do Ser nas paradisíacas ilhas do Sul do Pacífico. Trata-se da sua obra mais claramente ontológica.

É também o título desta instalação em que se confrontam duas imagens do mundo, separadas por quase 500 anos de sonhos e utopias, em nome dos quais se tem vindo a construir a barbárie moderna. Uma, que tem por título “Future Shock”, cita literalmente, através de uma pintura, “A tempestade”, um quadro de Giorgione de 1509; a outra, sob o título “A tempestade”, cita através de uma fotografia, Future Shock, um artigo de John Barry publicado na revista Newsweek, de 24 de Julho de 1995, ilustrado com a fotografia de uma explosão nuclear decorrente das experiências francesas no Sul do Pacifico (outrora paraíso de Gauguin), da autoria de Bernard Hermann.

A Tempestade de Giorgione, encomendada por um patrono privado, é, com base em investigações recentes, considerada uma alegoria a acontecimentos políticos da época. Edgar Wind, no seu estudo Giorgione’s ‘Tempesta’ with comments on Giorgione’s Poetic Allegories (Oxford, 1969), identificou dois dos elementos da alegoria: o soldado justaposto à coluna truncada é uma representação da Coragem; a mulher que amamenta é um símbolo tradicional da Caridade. Para Wind o significado desta pintura é que a Coragem se deve ligar à Caridade em tempo de crise. Deborah Howard, num artigo publicado em 1985 na revista Art History, identificou os quase ilegíveis emblemas heráldicos pintados a vermelho por Giorgione em dois dos edifícios do fundo, o que permite relacionar a encomenda com as Guerras de Cambrai em 1509.

“Future Shock”, o artigo da Newsweek no verão de 1995, cinquenta anos após a explosão de Hiroshima, reflete sobre a transversão suicidária do poder atómico: a incrível proliferação de armas nucleares por todo o mundo, principalmente após o colapso da União Soviética, transformou o planeta numa gigantesca bomba prestes a eclodir.

[VALENTE ALVES, Manuel, “Donde vimos? O que somos? Para onde vamos?”, in catálogo da exposição “Donde vimos? O que somos? Para onde vamos?”, Museu do Chiado, Lisboa, Junho de 1996]