[Manuel Valente Alves, “Fotografias”, 1987]

PREFÁCIO por Manuel Costa Martins

As fotografias que Valente Alves agora expõe formam uma colecção homogénea e coerente, em que as imagens retratam algo mais do que o espaço interior de uma antiga e velha capela, que é a realidade objectiva que lhes deu origem.

O que ao fotógrafo sobretudo interessou comunicar-nos dessa realidade foi a atmosfera quási imaterial, feita de poalha de luz, a qual está em permanente diálogo com as coisas, umas vezes discretamente disseminada, espelhada, revelando a superfície acetinada do pavimento de macieira polido pelo tempo, outras violenta e obsessiva, destacando a rudeza da textura dos espessos muros de granito que delimitam o espaço.

Assim, o tema é, em boa parte, mero pretexto, pois o que mais conta é uma espécie de conluio secreto que com ele o autor estabelece, conivência cúmplice e ambígua que se apercebe no resplendor que das imagens emana. Imagens eivadas de abstracção e de interioridade, que menos reve¬lam e comentam do que sugerem, e que, afinal, na sua beleza serena e comovente, acabam por retratar, sobretudo, o fotógrafo e pintor que as criou.

Ao transfigurar as imagens pela subjectividade da sua visão, Valente Alves impregna-as de uma luminosidade surreal e de um misterioso fascínio, que nos levam a reflectir sobre a realidade oculta das coisas, e que geram a sugestão nostálgica desses outros espaços, igualmente cerrados, que Bachelard tão lucidamente analisou: os das velhas casas e móveis, das gavetas e caixas da nossa infância e, também, os do mundo interior da memória, todos povoados de velhos objectos inúteis, de recordações esmaecidas, e de sonhos nunca concretizados.

[COSTA MARTINS, Manuel, “Prefácio” in desdobrável da exposição ”Fotografias”, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, Abril de 1987]