[Manuel Valente Alves, “O Muro da Memória”, 1987]

PREFÁCIO por José Luís Porfírio

Por vezes não vale a pena perguntar:

PINTAR PORQUÊ?

Sobretudo em casos como estes, em que estamos confortados com uma imperiosa necessidade; a resposta, se resposta houver, está na própria pintura. Estes trabalhos de Valente Alves são, no seu percurso vertiginoso, os mais difíceis, neles se mergulha ou não. Impossível o meio termo.

O percurso do pintor tem sido muito rápido, na transformação e na coerência, na perturbação que brota do próprio seio da matéria pictural. Ele passa em muito poucos anos, do micro registo sensível e lírico (guache), aos encantos matéricos do óleo, a uma gramática de sinais que não escondia uma convulsão, da e na matéria, a uma pintura em negro e gris, extremamente arquitectónica que foi mostrada há menos de um ano.

Que acontece agora?

Da arquitectura quase que não sobra o espaço, antes o muro num afrontamento físico com o olhar e o corpo. No muro inscrevem-se (ou sobrevivem?) fragmentos de sinais e esboços de espaços que começam a construir um possível futuro.

Olhemos bem estas superfícies; nelas veremos muito trabalho, coberto por uma grave camada escura num sistema que, ocultando, não se nega à memória do já feito. Transparências e volumes, são outras tantas memórias, são o registo presente da transformação em acto.

É isso! Quanto mais necessária mais transformadora é a pintura. Primeiro na consciência do pintor que recorda antigos suaves encantos, depois na nossa própria consciência de espectadores interessados, de cúmplices ou de amigos, depois...

O muro da Memória tem a cor da Meditação, ele pede silêncio e não palavras enquanto a mudança acontece, está acontecendo aqui e agora, diante dos nossos olhos. Possam eles VER!


[PORFÍRIO, José Luís, “Prefácio” in desdobrável da exposição ”O Muro da Memória”, Árvore, Porto, Novembro de 1987]