[Manuel Valente Alves, “Hotel Europa”, 1994]

A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA por Ruth Rosengarten


Em Hotel Europa, Valente Alves reúne imagens retiradas de uma longa viagem de comboio através da Europa Central (Vie­na-Praga). É uma paisagem ostensivamen­te marcada pelas memórias da história e de onde, paradoxalmente, essas mesmas marcas têm sido apa­gadas - paisagens e céus vul­gares, a densa concentração das cidades industriais do inte­rior. No longo desenrolar des­sas imagens sucessivas, ora ní­tidas, ora desfocadas, o artista sugere que a memória é algo que impomos às imagens e não algo que retiramos delas.

A sucessão de imagens segue um momen­tum aparentemente irracional ou subjecti­vo, de modo que nunca temos a certeza de que o que observamos tenha sido registado em tempo real. As mudanças na focagem, na linha do horizonte e nos pontos de vis­ta criam, aos poucos, uma sensação cres­cente de ansiedade, exacerbada pelo facto de nunca se ouvir o som do comboio.

Não há nunca um regresso ao real (àquela viagem de comboio específica), permanecendo o espectador sempre den­tro do enquadramento discursivo que o artista com ele transporta. É a banda so­nora de vários compositores contemporâ­neos, que imprime à obra um sentido de perda e de lamento - os tons elegíacos ­de um continente que olha para trás e vê o século da sua ruína.

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[ROSENGARTEN, Ruth, “A construção da memória”, Revista Visão, Lisboa, 1 de Outubro de 1998]