[Manuel Valente Alves, “Indícios”, 1988]
PREFÁCIO por Cristina Azevedo Tavares
As paredes deixaram de existir. Os muros caíram e com eles desvaneceram-se os limites.
Será possível agarrar tudo isto?
Visualizar a desmaterialização?
O princípio ali está. Na pintura de Valente Alves.
O caminhar das formas para o seu indício. Que mais seria senão a sua fonte, a sua génese.
A indicação de um percurso de andarilho dentro da própria pintura.
Uma espécie de voto interior, de vocação introspectiva. Só quem ama a pintura o pode fazer.
Os quadros são reduções microscópicas ou ampliações ao macrocosmos. Ponderam o universo de que os antigos falavam e que suspeitavam limitado.
A pintura assume-se na materialidade e na fisicidade dos óleos. Das sobreposições. Das camadas que por baixo anunciam cor que rasga solenemente a superfície. Uma espécie de cerimónia, em que o fazer se torna temporalmente no ser da pintura, vem animar a realização dos quadros.
Todos eles são fruto de um acto demiúrgico, ao mesmo tempo aventureiro e perigoso porque é forçosamente catártico. E anímico também.
No tal percurso de andarilho passamos da construção de formas arquitectónicas para a construção do vocabulário essencial das mesmas.
Uma responsabilidade imensa norteia esta pintura que se quer exploração dos seus próprios limites, criando em cada quadro a vertigem de todo o saber, e a ousadia do fazer, aprendido e vivido. Cada quadro é por isso uma solução própria e única, que se manifesta na conjugação das formas com a linhas no pulsar das superfícies. Matrizes ilimitadas de espaço.
O predomínio dos cinzentos e dos brancos veiculando por vezes o sentido dos vermelhos ou verdes, obedece também a este princípio de radicalização e depuração da linguagem. É um leque restrito de variações cromáticas que permite a busca pela matéria da pintura.
Os veículos desta, são as formas que se tornam sinais. Indícios.
Porque se inicialmente a pintura de Valente Alves vivia da cor e de uma linguagem sígnica visualmente rica, o seu percurso conduziu-a cada vez mais ao envolvimento do corpo da pintura enquanto matéria. As moradas dos deuses e de segredos vários enquanto espaços arquitecturais em dado momento, foram-se abrindo e transformaram-se progressivamente em vácuos. Os segredos foram desvendados, e o espaço eclodiu no corpo da pintura rasgando na sua matéria, indícios, sinais, que outrora eram formas representativas.
Actualmente a pintura de Valente Alves reclama-se de um informalismo essencial. Na procura da essência das coisas, a pintura comporta um rigor e uma disciplina redutoras, apenas, enquanto meios
para se atingir o núcleo das coisas: a pureza da visualidade.
É este princípio teleológico que está presente na pintura de Valente Alves, provocando em cada quadro a solução de um problema que contém virtualmente a génese para um outro.
O sinal de uma identidade aparentemente disperso é sempre reencontrado, nessa ligação inexorável com o todo.
Mas não esqueçamos que podemos denominar essa busca das essências, mesmo que seja a visualidade em si, ou a matéria pura, uma vez que ela se esconde e revela de muitas maneiras, o lugar do transcen-dente, do sagrado. O lugar onde não há limites, nem muros, nem paredes, mas apenas o ponto onde o finito e o infinito de uma vez por todas se poderão unir.