

"Para
um lugar que assume uma sala de Museu, [Manuel Valente Alves] convoca três
personalidades que nunca se poderiam ter cruzado: Giorgione,
através da sua célebre A Tempestade de
1509, Paul Gauguin,
através do título de uma obra ausente de 1897, Bernard Hermann,
através de uma fotografia que enquadra um texto de John Barry,
publicado na Newsweek
em
1995.
Cita-os pois mas com uma subtil variabilidade. Giorgione,
copiado em formato igual, é uma réplica oficinalmente
construída sobre tela mas usando o acrílico e não o óleo como meio, o que impõe
uma não evidente alteração de matizes e tons. E sobre a superfície da caixa de
vidro que contém a obra instala-se uma perturbação desviante: não é A Tempestade mas Future
Shock
que a
designa. Quanto à fotografia, a sua ampliação e isolamento do corpo da revista,
que antes a normalizava, envolve-a numa cenografia, desviante também. Forra-a
uma moldura de outdoor e
chama-se Tempestade.
Sozinho, reduzido à letra, o título do quadro de Gauguin evocará para o amador o seu esplendor mas torna-se outra coisa: tão só o ‘sentido’ organizador deste puzzle de citações cruzadas, desenrolando e miscigenando funções, poéticas e técnicas. Ou seja, reinscrevendo-as num novo lugar que é o do próprio Valente Alves.
Por isso esta instalação, na sua clareza expositiva, é uma construção de terceiro grau: o primeiro definido pelas obras em si – um óleo, uma fotografia impressa em folha de revista, um título –, o segundo pelas apropriações que as reconstituem – os modos de apresentação, a troca de legendas, a descontextualização da frase de Gauguin –, o terceiro, finalmente, pelo significante que as une, recarregando todos os anteriores: o mundo é ameaçante mas o cerne dessa ameaça é na acção devastadora do poder que se concretiza. [...]
Com
este trabalho prossegue Manuel Valente Alves um dos mais insistentes percursos
da actualidade. Anular margens entre pintura e fotografia, e entre as imagens
apropriadas de uma e outra, disseminar sentidos e poéticas, seleccionar e
transpor meios plásticos, inscrever e transmutar sucessivas realidades num real
outro que interroga as suas próprias transposições, re-situar a
prática artística num espaço cultural amplo em que a palavra é um elo
significante, e desse modo dotá-la de intencionalidade política, social e
ecológica, tornam-no um encenador de uma dramaturgia celebrante e interventiva.
Onde a público pode encontrar sinais de reconhecimento de si mesmo e da sua
situação. E um repto para a acção."
(Raquel
Henriques da Silva,
“Donde vimos? O que somos? Para onde vamos?”, catálogo da exposição Donde
vimos? O que somos? Para onde vamos?, Museu do Chiado, Lisboa, Junho de 1996,
português/inglês)
Alone, reduced to the literality, the title of Gauguin’s painting will evoke for the amateur its splendor, but it becomes another thing: exactly the ‘sense’ organizer of this puzzle of crossing quotes, unrolling and mixing functions, poetics and techniques. That is, re-inscribing these elements in a new place which is the one of Valente Alves.
So this installation in its exhibitioner sharpness, it is a third degree construction: the first defined by the works in itself – an oil, a printed photo in a magazine sheet, a title –, the second by the appropriations that reconstitute them – the modes of presentation, the exchange of legends, the de-contextualization of Gauguin’s phrase – the third, finally, by the signifier that unites them, reloading all previous ones: the world is threatening but the core of this threat is concretized in the devastating action of the power. [...]
With this work Manuel Valente Alves
continues one of the most insistent paths of today. To cancel merges between
painting and photography, and between the appropriate images of one and the
other, to spread senses and poetics, to select and transpose plastic media, to
inscribe and transmute successive realities in an other real that interrogates
its own transpositions, to re-situate artistic practice in a broad cultural
space in which the word is a significant link, and thereby to provide it with
political, social and ecological intentionalities,
make it a director of a celebrant and interventional dramaturgy. Where the
public can find signs of recognition of itself and its situation. And a call
for action.”
(Raquel Henriques
da Silva, in:
“Where do we come from? What are “Where do we come from? What are we? Where are
we going to?”, we? Where are we going to?, exhibition catalog, Chiado
Museum, Lisbon, June 1996, Portuguese/ English)
Exhibitions
1996 Donde vimos? O que somos? Para onde vamos?, Museu do Chiado, Lisboa [curator: Raquel Henriques da Silva]
1999 Donde vimos? O que somos? Para onde vamos?, Casa da Cerca, Almada [curator: Leonor Nazaré]
Selected bibliography
Raquel HENRIQUES DA SILVA, Donde vimos? O que somos? Para onde vamos? (*.pdf)
Leonor NAZARÉ, Valente Alves - O Lugar de um Problema (*.pdf)
Eduardo PRADO COELHO, Alegorias do medo (*.pdf)
Francisco Rui CÁDIMA, Microfísicas da morte "limpa" (*.pdf)
Manuel VALENTE ALVES, Donde vimos? O que somos? Para onde vamos? (*.pdf)